Não se pode concluir integralmente que O Sonho de Cassandra é no seu todo um filme thriller. O cunho de Woody Allen, ainda que exposto a temáticas divergentes das suas actuais, é mais que notável, o que se torna um obstáculo a considerar quando se tenta definir o teor da sua obra posterior a Scoop. Antes de mais, o rótulo atríbuido aos filmes do realizador é dito como contrariado em O Sonho de Cassandra, por não recorrer ao já convencional desfile onde relações amorosas e as respectivas filosofias derivadas de diferentes personagens, são compatibilizadas com o humor infalivel que Woody Allen estabelece em todos os recantos do seu vasto currículo.
Este mesmo não está longe de preencher uma vaga na carreira do cineasta, mas nem perto está de ser pertencente ao seu pódio. Impõe-se como um interessante ensaio sobre a culpa humana, materializada a partir de condutas como a obsessão, o controlo e o que a falta deste pode gerar, a vulnerabilidade de uns e a firmeza de outros, originária de decisões tomadas a fim de frios, crus e calculistas resultados.
Embora fora este O Sonho de Cassandra muito mal recebido pela crítica mundial, em comparação a clássicos anteriores de Woody Allen, pessoalmente não o desconsolo, e ergue-o como necessário, até vital para a experiência cinematográfica do realizador.
As montagens imperativas poliferam, as interpretações colaboram com a intensidade volátil da produção tradicional (note-se o habitual e inesquecível genérico) e certas minorias são recortadas em súbtileza (maior exemplo disso é o retrato da família dos dois irmãos protagonistas), precavendo uma conquista humorística bem seleccionada.
É a convergência desses factores que permitem a fidelidade com que se realiza O Sonho de Cassandra, um filme não merecedor de premiações constantes, mas de um olhar tolerável e apreensivo à sua obra.
Ian (Ewan McGregor) e Terry são dois irmãos de carreira profissional e pessoal falhada, à procura de qualquer chance para se destacarem em vários campos cujos já haviam perdido a esperança. O primeiro é seguro da sua atitude e usa-a como meio de obter os já definidos objectivos, ao contrário de Terry, um vulnerável apostador que se dedica à sorte e às consequências que esta lhe poderá advir. Certo dia, é-lhes proposto pelo Tio Howard (Tom Wilkinson) o assassinato de um opositor que lhe poderá trazer um infortúnio ao seu legado financeiro, cobiçado pelos irmãos que tão sequiosos para verem os seus mais arrastados sonhos realizados, aceitam, e arcam com a fatalidade que daí se opõe.
Não predestinado a uma magnitude que já se vira em títulos como Annie Hall ou até o seu fresco Vicky Cristina Barcelona, O Sonho de Cassandra é uma simpática escolha do realizador, mas que não memorável como assim esperavamos do mais carismático realizador de Hollywood.

O MELHOR: as amostras da irreverência de Woody Allen são despidas no twist final, e mergulhadas em elegância durante toda a película;

O PIOR: o fraco decalcar em cenas dramáticas garantem a sua faceta efémera;

MORTE SÚBITA: onde reside a persitência de mau carácter ao públicá-lo como um título a destruir?

NOTA: a (óbvia) dualidade da personagem de Colin Ferrell com a que representou no derradeiro Em Bruges;

7/10.